Esse tipo de urbanização eu não quero 2f223u
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Como o prefeito de São Paulo e os senhores secretários pretendem explicar que o respeito legal aos direitos da propriedade privada se sobrepõem ao direito de ir e vir à escola?

Tomei emprestada a frase-desabafo da arquiteta Ester Carro como chamada para a coluna de hoje. Ela é, além de presidente do Instituto Fazendinhando, professora e ativista, moradora do bairro Jardim Colombo (subprefeitura Butantã), em São Paulo. Conhece, como poucos, as consequências provenientes de uma infraestrutura pública precária sobre o dia a dia dos moradores que, geração após geração, aguardam, com esperança infinita, a finalização de projetos de urbanização que dependem, prioritariamente, da vontade política e da iniciativa do prefeito, seus secretários e dos vereadores que elegemos. Nas redes sociais, ela lamenta o bloqueio de uma trilha criada pelos os persistentes de crianças e jovens que, a pé, caminham até a escola da região diariamente. Insistem em buscar um futuro melhor por meio da educação. De um dia para o outro, um novo empreendimento imobiliário murou a trilha, levando a um trajeto muito mais longo, demorado e cujo solo, em dias de chuva, fica coberto de lama. Cruel é pouco para descrever a situação. A prefeitura não conhece o próprio território, seus usos locais, a realidade das pessoas. Participação da população na definição do que é preciso? Piada.
Para a Prefeitura de São Paulo, a participação popular na revisão do Plano Diretor Estratégico (PDE), que definirá as prioridades e rumos de desenvolvimento da cidade, vem sendo realizada por inúmeras oficinas, audiências abertas ao público e votações digitais — que, junto aos conselhos participativos e câmaras de discussões temáticas, são consideradas, pelos gestores públicos e técnicos, um sucesso. Pela leitura, depreende-se que o poder público municipal se esmera na direção de envolver os cidadãos e demais atores sociais interessados. Sinto-me moradora de uma cidade cujos gestores municipais tentam convencer-me e convencer-se de que vivemos no melhor dos mundos civilizados. Pelo relato da Ester e pela experiência que venho acumulando nos últimos anos estudando o tema e participando ativamente de seminários, fóruns de debates e leituras intensas de textos que tratam da revisão que hoje, posso afirmar, que o processo de revisão não é possível da maneira como vem sendo tratado pela prefeitura.
Algum leitor já leu, na íntegra, um plano diretor municipal? Acredito que poucos. Na verdade, nem deveriam ler. O documento contém 229 páginas, 393 artigos, centenas de parágrafos, o uso de acrônimos e siglas, inúmeros anexos, mapas, tabelas. Para facilitar a compreensão das pessoas comuns — aquelas “não iniciadas” nas matérias tratadas no “calhamaço digital” —, foi criado um PDE ilustrado. Por experiência acadêmica, posso afirmar que alunos de urbanismo sentem dificuldade para apreender o conteúdo, mesmo com a leitura atenta e a observação das ilustrações. Temas como função social da cidade, função social da propriedade urbana, direito à cidade e inclusão social do território são princípios abstratos para mim, para você, leitor, e para aquelas crianças e jovens que insistem em querer atravessar um terreno particular para ir à escola. Como os senhores secretários e o prefeito pretendem explicar que o respeito legal aos direitos da propriedade privada se sobrepõem ao direito de ir e vir à escola? Como explicar que teoria e prática não se aplicam no caso em questão?
Expor cidadãos de variadas formações e níveis de educação escolar distintos à leitura de um texto de lei de alta complexidade, concebido e redigido por equipes compostas por profissionais das ciências humanas, sociais, exatas e da terra (biológicas, por exemplo), mostra a incompetência dos órgãos públicos municipais ao comemorar os resultados obtidos, até o momento, do tal processo de “participação popular”. Os números publicados são pífios, insignificantes, uma vergonha para o total da população de São Paulo. Culpar a falta de vontade de participação é, também, atestado de incompetência pública. O que esperar de um cidadão cuja rotina se resume em disponibilizar de três a quatro horas no transporte público, usar internet da empresa ou compartilhada com o vizinho, trabalhar o dia todo, ir para a escola e ainda volta para casa tarde da noite, preparar a marmita do outro dia, ajeitar a casa e a roupa e ir dormir">
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